sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Com quantas crises se faz uma revolução?

 
Com a crise econômica, a “Primavera Árabe” e a Guerra Social na Europa, estamos vivendo as maiores transformações sociais desde a queda do Muro de Berlim, mas para que direção apontam estas mudanças?

Semelhante ao período da Queda do Muro de Berlim, uma mudança histórica se anuncia, embora o sentido e a dinâmica das transformações sejam ainda bastante incertos. Mas, diferente daquele período é no coração do capitalismo que está o epicentro da turbulência mundial. Estamos vivendo uma nova situação internacional caracterizada pela combinação de três tipos de crise: crise econômica global, crises políticas e crise do imperialismo.

Quem está em crise?

Quando se fala atualmente da crise econômica, do que exatamente está se falando? Depois de tantas idas e vindas, quais setores da economia efetivamente estão em crise? Crise econômica, grosso modo, é a interrupção do processo de acumulação do Capital, quando não se consegue obter lucro com os novos investimentos.

Com o início da crise imobiliária, em 2008, o setor bancário americano quebrou e levou consigo o mercado financeiro mundial. Neste momento, a crise se tornou global, atingindo todos os setores da economia e todos os países, resultando numa recessão econômica em 2009. O PIB dos países centrais (EUA, Japão e Zona do Euro) caiu para -3,5% e o PIB mundial também sofreu uma queda de -0,7%, só não sendo mais acentuada em função da manutenção do crescimento na China (9,2%) e Índia (6,8%), contrariando a tendência mundial.

Iniciou-se a pior crise econômica desde a depressão de 1929. Uma crise de superprodução agravada por uma brutal crise financeira. O início de um longo período de decadência da economia imperialista, que pode durar de 15 a 20 anos, e ser marcado por crises fortes e recuperações lentas, com uma ameaça sempre presente de uma nova depressão.

2010: suspiro da recuperação e regressão social

Em 2010, começou o suspiro, com os primeiros sinais de recuperação da atividade econômica. Mais uma vez, China e Índia ocuparam um papel de destaque, ambos crescendo cerca de 10%, acompanhados também pelo Brasil, que cresceu 7,5%. Embora com ritmo menor, os países centrais também recuperaram parte da atividade econômica, crescendo em média 3%, mesmo nível dos EUA e um pouco menor do que Alemanha (3,6%) e Japão (4,0%).

No caso da China, a manutenção do crescimento se deveu a incentivos públicos destinados à “burguesia costeira” (setores exportadores), investimentos em indústrias de aço e cimento e pressão pelo não cumprimento da Nova Lei do Trabalho, aprovada em 2007. No caso do Brasil, a retomada do PIB foi proporcionada pelo endividamento dos trabalhadores.

Foram nos países centrais, no entanto, que a situação se tornou mais grave e mais complexa. Nos EUA e na Zona do Euro, as empresas conseguiram inverter a dinâmica de queda de seus lucros. Dois aspectos são determinantes para compreender isso. No caso do mercado financeiro, o óbvio: os planos de salvamento aos bancos produziram a maior transferência de recursos públicos para o setor privado na história. Com eles, o mercado financeiro ganhou fôlego novo e, em 2010, o volume de ativos financeiros já era 10 trilhões de dólares a mais do que em 2007, ano anterior à crise (Instituto McKinsey. “Mapeamento do Mercado Global de Capitais”, agosto de 2011, p. 02).

Isso significa que, para além de casos particulares, o sistema financeiro como um todo precisou de apenas dois anos para recuperar as perdas (e ultrapassá-las) de uma das maiores crises econômicas da história. É claro que isso não é isento de contradições, pois uma recuperação tão acelerada das finanças ao mesmo tempo em que o crescimento econômico mundial ainda é letárgico, resulta em pressão por novas bolhas especulativas. Um sinal disso é que também voltou a crescer a relação entre capital financeiro e o PIB, atingindo 356%, no mundo, e 462% nos EUA.

A maior economia mundial e mais avançada tecnologicamente conseguiu aumentar seus lucros com um processo de regressão social. A participação dos salários no PIB do país reduziu cerca de 2% desde 2008, acentuando uma queda que ocorre desde os anos 2000. No setor produtivo, a retomada dos lucros não foi resultante de aumento dos investimentos em capital fixo (máquinas e equipamentos, que permitem aumentar a produtividade do trabalho); de fato, estes caíram -2,7% em 2009 nos EUA. Apesar disso, a “produtividade” do trabalho aumentou 3,5% no mesmo período, decorrente da intensificação das tarefas.

O desemprego, por sua vez, saltou de 5,8 para 9,6% entre 2008 e 2010, mas ele ficou ainda maior entre a população negra (de 10 para 16%), latinos (de 7,5 para 12,5%) e mães solteiras (de 8% para 12,3%), setores tradicionalmente marginalizados e uma das principais bases eleitorais do governo Obama. No caso europeu, a situação é semelhante: aumento do desemprego (de 7,6 para 10%), retração dos salários e inúmeros cortes sociais e de direitos trabalhistas. O diferencial é que, na Zona do Euro, está muito mais difícil administrar a dívida pública do que nos EUA. Em síntese, 2010 foi um ano de grande regressão social para a classe trabalhadora mundial, principalmente europeia e norte-americana. A taxa de desemprego levou esses países a se assemelharem a América Latina, o que possibilitou a leve recuperação de suas respectivas economias, quer por vias diretas (aumento da exploração do trabalho), quer por vias indiretas (endividamento público e redução da rede de proteção social).

Mas, mesmo com o crescimento na taxa de lucros, as grandes empresas não retomaram em grande escala os investimentos. O grau de ataque aos trabalhadores ainda está longe de ser o suficiente para garantir uma nova fase de crescimento do capitalismo.

Para abrir a perspectiva de uma saída da crise, o Capital assume uma guerra social contra o proletariado. O objetivo é acabar com o chamado “Estado de bem estar social”, ou seja, com as conquistas do proletariado dos países imperialistas desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Isso significa aproximar o nível de vida desses trabalhadores aos da América Latina. Como num efeito cascata, os latino-americanos seriam rebaixados aos níveis chineses; e os chineses a um nível ainda mais baixo. Junto com isso, a regressão de países imperialistas periféricos (como Grécia, Portugal e outros) para um status semicolonial.

A reação do capital para sair de sua crise aproxima o mundo de situações de barbárie. Parafraseando Lênin, essa é a catástrofe que nos ameaça.

2011: da regressão social às revoluções e à resistência

Felizmente, 2010 terminou mais cedo do que de costume, mais precisamente em 18 de dezembro. No dia seguinte, ocorreu na Tunísia, a primeira grande manifestação contra o desemprego e o aumento do custo de vida no país. O desenrolar dos acontecimentos instalou uma nova fase da crise, transformando-a em crise política.

No norte da África surgiram as primeiras grandes vitórias dos trabalhadores desde o início da crise econômica, com a derrubada de três governos aliados do imperialismo.

Em várias cidades do mundo surgiram praças Tahir e uma explosão de lutas sociais de todos os tipos varreu o mundo ocidental, aumentando a resistência da classe trabalhadora frente aos planos neoliberais. A Grécia viveu seguidas greves gerais, que se estenderam para Espanha, Portugal e Inglaterra. O movimento dos indignados expressou a radicalização da juventude, de largas camadas da classe média e do proletariado sem perspectivas de manter seu nível de vida. Ocuppy Wall Street marcou o início de mobilizações populares nos EUA e se transformou em “Ocupe os EUA”.

A reação dos trabalhadores e da juventude nublou ainda mais o panorama econômico. A necessidade de impor os planos econômicos de austeridade se transformou em crise política. E isso terminou por agravar a crise econômica: o ensaio de recuperação econômica foi substituído por sinais claros de uma nova recessão, a recuperação do mercado financeiro, pela retomada da instabilidade e a administração da dívida pública europeia não tem conseguido afastar a possibilidade de calotes.

Dilemas, perspectivas e desafios

Aos olhos do Capital, os dilemas para a crise atual são: a) retomar o crescimento econômico, b) estabilizar o sistema financeiro e c) administrar a dívida pública. A curto prazo, nenhum deles é possível.

O crescimento econômico nos países centrais não está sendo retomado porque a burguesia duvida de novos investimentos perante a crise política que se abre com as lutas dos trabalhadores. Os planos de austeridade também são em si mesmos, recessivos, por cortar em investimento público, salários e direitos.

Ou seja, as medidas que viabilizaram a leve recuperação em 2010 são as mesmas que estão causando a recessão atual. Não se trata de saber se a recessão irá começar no quarto trimestre de 2011, no primeiro de 2012 ou um pouco depois, mas qual a intensidade dela. A perspectiva para os próximos anos, caso se afirmem as políticas dos governos atuais, é de longas fases de baixo crescimento econômico, alternando com períodos de recessão, principalmente nos países centrais. E ainda segue aberta a possibilidade de uma nova depressão.

Vale lembrar que este cenário não significa imediatamente prejuízos para o Capital: ainda lhe resta apostar no mercado financeiro.

Novas turbulências financeiras

É justamente isto que os capitais têm feito: apostado na valorização dos ativos financeiros para garantir sua lucratividade. No entanto, como as finanças não criam riqueza nova, a valorização do capital financeiro depende da criação ou transferência constante de valor de outro setor. Antes da crise, os novos recursos foram garantidos pelo crescimento econômico e o endividamento público. Com a crise e a recessão, o endividamento público passou a cumprir este papel sozinho.

Os pacotes aos bancos não foram utilizados para abrir linhas de crédito para o setor produtivo. Estes recursos têm sido usados para aumentar ainda mais a especulação financeira, sempre com a possibilidade da formação de novas bolhas. Ou seja, as mesmas medidas que levaram à estabilização do mercado financeiro em 2010 contribuíram, junto com a crise da dívida pública, para as turbulências financeiras em 2011. Neste sentido, a perspectiva para 2012 é de aumento da instabilidade, com a possibilidade de formação novas crises financeiras e quebras de bancos na Zona do Euro e dos países europeus.

A cada vez que isso ocorrer, uma fuga de capitais para os investimentos considerados seguros vai provocar queda das bolsas no mundo todo, desvalorizando as ações das empresas e aprofundando ainda mais o quadro recessivo. Ironicamente, uma regulação do mercado financeiro limitando-se apenas a conter a especulação para evitar uma nova crise financeira, só iria antecipá-la. O primeiro país que quiser apenas regular o mercado financeiro ao invés de estatizá-lo, será o primeiro a sofrer com a fuga de capitais. O reformismo, que sempre foi apresentado como realista pela social-democracia, é a proposta mais utópica das que estão colocadas à mesa.

Com baixo crescimento econômico e sobreacumulação de capital, a estabilidade financeira na Europa em curto prazo só pode ser conseguida por uma estatização do sistema financeiro sem indenização. É claro que isto não interessa ao capital. Sendo assim, seus esforços não têm sido para superar a crise em curto prazo, mas administrá-la por meio do caráter rentista do Estado. Visivelmente, isso está agravando a crise.

Quais sãos as alternativas
?

Quando as grandes crises econômicas do Capital também se tornam grandes crises políticas dos governos e dos regimes burgueses, o confronto entre Capital e trabalho resulta em quatro tipos de saídas históricas: contra-revolução, reformas sociais, contra-reformas ou revoluções. A contra-revolução foi largamente utilizada, quer pelo nazi-fascismo na Europa a partir dos anos 1920, quer pelas ditaduras militares na América Latina durante quase todo o século 20. Ao invés de uma demonstração de força do poder burguês, ela denota a sua fraqueza, pois expressa a incapacidade de manter a dominação burguesa sem o recurso da repressão direta e sistemática às reivindicações dos trabalhadores e às suas organizações.

A implementação e expansão de reformas sociais foi a alternativa do Capital para sair da crise de 1929 nos EUA e conter a ameaça da revolução social no fim da Segunda Guerra Mundial. O período foi marcado pela hegemonia do capital industrial e pela criação do Estado de bem-estar social. Esta via de acumulação entrou em crise nos 1970 e as contra-reformas neoliberais se constituíram como sua alternativa que, por sua vez, também entraram em crise, na década passada.

Mudar as estações

Com a crise da dívida pública na Europa e a guerra social em curso, mais uma vez estamos diante de crises históricas. A sua solução não cabe mais nos salões estreitos das reuniões do G20, o seu desfecho será nas praças europeias. O projeto da burguesia já está desenhado: completar a privatização do Estado iniciada em 1980, aprofundando as contra-reformas neoliberais. Para salvar a Zona do Euro, o capital optou por sacrificar a sua periferia. É preciso atacar o Estado do bem-estar no conjunto da Europa, e não deixar qualquer resquício dele em países como Espanha, Grécia, Portugal e Irlanda. Existe a tendência de que esses países também tenham seu status imperialista rebaixado para semicolonial. Ao mesmo tempo, eles poderão se tornar um cinturão de exército de reserva que irá pressionar a classe trabalhadora dos países centrais a também aceitarem os pacotes de ajustes.

Mesmo que consiga aprovar os planos de austeridade, novos planos serão necessários. O ataque do Capital está apenas se iniciando, e não há garantia nenhuma na sua efetivação. A queda recente de vários governos é um termômetro do aumento da crise de dominação burguesa. Mesmo medidas simples da democracia burguesa que até ontem eram largamente utilizadas, como os plebiscitos, hoje têm o poder de colocar em risco a União Europeia. O próximo período pode levar a situações e crises revolucionárias em países imperialistas, o que não ocorria desde a revolução portuguesa de 1975. É a luta de classes que vai decidir o curso da crise econômica.

Como os revolucionários bem sabem, o que está em jogo é uma mudança histórica que será decidida nos próximos anos. Como a queda dos Estados do Leste Europeu colocou em cheque o socialismo, essa crise pode colocar de novo o embate capitalismo-socialismo na ordem do dia. O inverno dos europeus está chegando e promete ser rigoroso, mas as primaveras árabes decidiram ficar por mais um tempo. Como o mundo está realmente muito mudado, vamos ver que tem força para alterar as estações.
 
Escrito por Daniel Romero, do Ilaese 

Fonte: Sítio da LIT-QI

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