sábado, 12 de novembro de 2011

Em 1977, estudantes tomaram Centro de SP, contra prisão de operários

Pouco lembrado pela grande imprensa, a retomada da luta estudantil em 1977 foi um capítulo fundamental na resistência ao regime militar, antes das grandes greves do ABC paulista. Menos lembradas ainda foram as prisões dos operários e estudantes que acabaram funcionando como gatilho para os protestos. Mas esses dias marcantes foram documentados, como no documentário “O Apito da Panela de Pressão”, realizado na época pelo Grupo Alegria e pelos DCEs LIVREs da USP e PUC, hoje disponível na internet.

Hoje, nestes dias de luta contra a repressão policial e a presença da PM no campus da USP, acreditamos ser bastante conveniente trazer a luz um dos mais corajosos episódios da história do movimento estudantil brasileiro e sua relação com a luta dos operários. 

De volta às ruas


Em resumo, a história é mais ou menos assim. Poucos dias antes dos protestos do 1° de maio, operários e estudantes foram presos pela polícia quando distribuíam panfletos aos operários na cidade de Santo André, no ABCD. Os oito presos eram militantes ou simpatizantes da então Liga Operária, que viria a ser, poucos anos depois, na Convergência Socialista, uma das principais correntes fundadoras do PSTU. Entre os detidos estavam os operários Celso Brambilla, Márcia Basseto Paes e José Maria de Almeida, o Zé Maria. Os presos foram barbaramente torturados e depois processados pela Justiça Militar, enquadrados pela famigerada Lei de Segurança Nacional (LSN). 

Incomunicáveis, os presos corriam risco de vida nas mãos da polícia, que até então não reconhecia as prisões. Oficialmente, não havia presos. "Do lado de fora, nossos companheiros, a direção da Liga, teve a política de buscar apoio no movimento de massas, especialmente o movimento estudantil. Um antigo metalúrgico, o Pacheco, já com 61 anos, foi até a USP, dizendo: 'olha, fomos nós que construímos esses prédios aqui... foram operários como nós... agora temos vários presos nossos no ABC... Precisamos da ajuda dos estudantes'", resume Zé Maria, em depoimento para um documentário que está sendo preparado, sobre as perseguições durante a ditadura. 

O episódio foi noticiado pelo jornal Folha de S.Paulo, em 30 de abril de 1977, em uma nota sobre as prisões e o silêncio das autoridades a respeito. Dizia a nota: “uma comissão de operários compareceu ontem à assembléia estudantil realizada à noite no prédio da Faculdade de História e Geografia da USP a fim de solicitar o apoio dos estudantes para a soltura dos trabalhadores presos na região do ABCD”. 

A resposta dos alunos foi imediata. No dia 2 de maio, estudantes da USP entram em greve geral contra as prisões. Protestos também são registrados na Universidade Federal de São Carlos, no interior do estado, e na Unicamp. No dia seguinte, é realizado um histórico ato no auditório da Pontifícia Universidade Católica (PUC), que reuniu mais de 5 mil estudantes das própria PUC, USP e de universidades do interior do estado. 

O ato é um marco importante, pois a greve geral dos estudantes contra a prisão dos operários e estudantes se alastrou por todo o estado de São Paulo. No dia seguinte ao ato, mais de 80 mil universitários entraram em greve, em um dos maiores desafios à ditadura desde 1968. No Rio de Janeiro e na Universidade de Brasília (UnB) são registrados protestos estudantis. Nos dias que se seguiram, os atos e passeatas de protesto se estenderam por todo o país. Um dos centros é o Largo São Francisco, o mesmo tomado pelos estudantes da USP nesta quinta-feira, 10 de novembro de 2011.

Emerge então uma campanha de calúnias contra a Liga Operária. O odioso delegado Sergio Paranhos Fleury acusa a Liga Operária de “atuar na luta armada” e de praticar “justiçamento”. Mas a acusação é tão frágil que não resiste a uma simples pergunta. Questionado por um repórter sobre desde quando existe esta organização, o delegado responde ao seu modo:“perguntinha chata essa. Não sei!”

Já o secretário de Segurança de São Paulo, o coronel Erasmo Dias, assegurava que as prisões eram o início da “devassa no mundo da subversão”. O coronel completou seu raciocínio obtuso: “Por enquanto pegamos só os cambistas, ainda vamos chegar aos banqueiros”, disse sem perceber que o “apito” tinha começado a soar. 

No entanto, dois meses mais tarde, um relatório do DOPS-SP de 20/02/1979 explicava que com essa prisão os órgão de repressão tomaram conhecimento da Liga Operária e, a partir de então montaram a chamada “Operação Lótus” visando sua destruição. Na verdade, fica claro que a LO foi atacada pela repressão não porque supostamente “atuava na luta armada”. Mas sim pela razão de estar ligada e buscar se implantar no movimento de massas, em especial entre os operários que, pouco depois, iriam protagonizar a luta que marca a derrocada da ditadura. 

Território Livre

No dia 5 de maio, o Largo São Francisco da Faculdade de Direito da USP é declarado “território livre” pelos estudantes. Um protesto, convocado pelos DCEs da USP e PUC reúne 7 mil estudantes. Na carta aberta distribuída a população, os estudantes afirmam: “Hoje viemos às ruas para exigir imediata libertação de nossos companheiros operários... Celso Brambilla, Márcia Basseto Paes e José Maria de Almeida” (...). “São considerados subversivos todos aqueles que não aceitam a exploração econômica, o arrocho salarial, a alta do custo de vida e trabalho”.

Erasmo Dias, mais uma vez ele, declara que não deixaria os estudantes ultrapassarem o “mínimo necessário”. Assim, a ditadura não proibia a concentração, mas avisava que não iria tolerar qualquer passeata pelas ruas do centro. Todo o aparato policial e do DOPS é posto de prontidão. Mesmo assim, os estudantes desafiam o coronel e resolvem sair em passeata até a Praça da República. No trajeto a passeata foi coberta por chuvas de papel. A população estava do lado dos estudantes. Ao chegar ao Viaduto do Chá, porém, uma Veraneio da polícia se joga em alta velocidade sobre os manifestantes. A cena pode ser vista no “Apito da panela de pressão”. 

A imprensa registrou assim o episódio: “Como nem a arremetida do carro policial sobre a passeata conseguisse impedi-la de caminhar, novas viaturas prepararam-se na altura do Municipal. Nesse momento, o cordão policial impede a passeata de prosseguir atirando bombas de gás lacrimogêneo”. A operação foi pessoalmente comandada por Erasmo Dias. 

O ministro da Educação vai a TV, em pronunciamento oficial, pedir aos estudantes que retomem a ordem e não cedam a uma "minoria". Mas as mobilizações estudantis estavam longe de ser derrotadas. Pelo contrário. Continuaram com força nos meses seguintes convocando, inclusive, um dia nacional de lutas, no dia 15 de julho de 1977. "Foram dias de uma luta muito intensa. Não há ninguém daquela geração que tenha participado e não tenha ficado marcado pelo que viveu", lembra Maria Salay, ex-militante da Liga Operária e ex-presa política.

No ano seguinte, a luta estudantil se enlaçaria com a extraordinária luta dos operários do ABCD. Mas isso já é outra história..

Por Jeferson Choma, da redação do Opinião Socialista

Fonte: Sítio do PSTU

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