sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O outro lado da Apple de Steve Jobs

Parte do sucesso da empresa se encontra onde são realmente fabricados os produtos


Na última semana, a morte do notório empresário da informática Steve Jobs esteve no centro de grande parte dos noticiários, colocando Jobs e a sua empresa Apple em evidência. Na internet, popularizaram-se as homenagens a Jobs na forma de maçã, símbolo e nome da empresa em inglês. Nos dias seguintes, diversas declarações compararam a genialidade e criatividade de Jobs a Leonardo Da Vinci, Michelangelo e outros considerados gênios da humanidade.

É incontestável o fato de que os produtos desenvolvidos pela Apple sob comando de Jobs - iPads, iPods e iPhones, entre outros - tiveram grande impacto mundial, mudando conceitos em diversas áreas, como informática, publicações e indústria musical. Muitos opinam que a atenção especial de Steve Jobs ao desenvolvimento desses produtos é o que explica o sucesso da empresa. No entanto, se olharmos com atenção o verso de um iPhone, por exemplo, encontramos uma inscrição em letras bem pequenas, mas que pode revelar muita coisa: “Designed by Apple in California. Assembled in China”. A tradução seria: “Desenvolvido pela Apple na Califórnia. Montado na China”. Esse detalhe, que não é notado pela maioria dos usuários desses produtos, oferece-nos uma dica de que talvez a genialidade de Jobs não seja o único fator que tornou a Apple uma das empresas mais ricas do mundo.

Talvez uma parte do sucesso dessa empresa se encontre onde são realmente fabricados os produtos, a muitos quilômetros de distância do Vale do Silício.

Milagre Chinês

Em Longhua (província de Shenzhen), na China, está localizado um complexo industrial que conta com mais de 300 mil trabalhadores. Conhecido como “Cidade Foxconn”, esse complexo ocupa 3 km², incluindo 15 fábricas, dormitórios para os trabalhadores, corpo de bombeiros, piscina, mercado, livraria, banco, restaurantes, hospital e até uma rede de TV interna, a Foxconn TV. É nessa “cidade” que são montados os produtos da Apple, e não foi sem motivo que Steve Jobs resolveu deixar essa parte em letras bem pequenas.

A Foxconn é uma empresa com sede em Taiwan, que apareceu nos noticiários depois de 15 trabalhadores cometerem suicídio em 2009 e 2010 na “Cidade Foxconn”. Universidades chinesas e uma ONG de Hong Kong consideraram esses suicídios consequência das condições de trabalho dentro do complexo, relatando que os operários sofrem uma forte pressão e se sentem isolados. Esses operários trabalham em média 12 horas por dia, com um salário mensal de 900 yuans (cerca de R$ 202), que chega ao máximo a 2000 yuans com as horas extras. Em outras ocasiões, a Foxconn já havia sido denunciada por desrespeito aos trabalhadores, por discriminação e abuso de horas extras ilegais. Em resposta ao ocorrido, a empresa instalou redes antissuicídio e obriga os funcionários a assinarem um termo de compromisso garantindo que não vão se matar. Mais recentemente, em maio de 2011, mais um exemplo de descaso da Foxconn: três trabalhadores morreram e 15 ficaram feridos numa explosão na linha de montagem do iPad2, dessa vez na fábrica de Chengdu.

A Apple e outras empresas, como Intel, Hewlett-Packard, Dell, Nintendo, Nokia, Microsoft e Motorola, usam esse modelo de terceirização da produção e têm seus produtos montados em alguma das diversas fábricas da Foxconn. Essas empresas se beneficiam diretamente das péssimas condições de trabalho para baixar os custos de produção e alcançar grandes lucros. A Foxconn é a maior exportadora da China e a maior empregadora do setor privado do país.¹


Apple e Foxconn no Brasil

Todas as fábricas e planos de investimento da Foxconn na América do Sul se concentram no Brasil. A empresa taiwanesa já possui plantas em Manaus (AM) e Indaiatuba (SP) fabricando telefones celulares, e também desenvolve atividades em Sorocaba (SP) e Santa Rita do Sapucaí (MG). A principal planta da empresa no país está em Jundiaí, a 60 km da capital paulista, onde são fabricados computadores, notebooks, netbooks e os iPods da Apple. Até o final do ano, já deve estar instalada a linha de produção de iPads, a primeira fora da China.

As denúncias de desrespeito aos trabalhadores não ficam limitadas à China. Por aqui também já foram registrados casos de doenças ocupacionais e psicológicas causadas por pressão no trabalho. Na planta de Indaiatuba, o sindicato já relatou pelo menos três afastamentos por depressão profunda.

Na próxima semana, o ministro de Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante (PT), estará reunido com a cúpula de diretores da Foxconn para discutir um investimento de 12 bilhões de dólares. A planta de Jundiaí é a mais cotada para receber o investimento, que inclui o plano de montar a primeira fábrica de telas touchscreen do Ocidente. Segundo o ministro, esta implementação é complicada, pois seriam necessários 4 gigawatts - energia correspondente a uma cidade de Jundiaí -, um aeroporto internacional, qualidade do ar determinada, mais de 1,5 km² de área e consumiria mais concreto e aço que o estádio Ninho de Pássaro da China.²

Ou seja, a empresa e o Governo Dilma planejam uma “Cidade Foxconn” brasileira. “Conceito de cidade inteligente é o caminho do país para um novo patamar tecnológico”,declarou Mercadante, que aparentemente prefere ignorar o ocorrido na filial da China.

Ainda não é possível afirmar se a Apple poderá superar a perda de Steve Jobs na criação de seus produtos. Mas já podemos ter bastante certeza de até onde os acionistas da empresa estão dispostos a ir para garantir seus lucros investindo no “modelo” Foxconn de produção.

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Notas:

1. Graças ao governo “comunista” chinês e sua ditadura, essa exploração não é exclusividade da Foxconn. Condições de trabalho parecidas estão espalhadas por toda a China. A busca por essa mão de obra barata explica a iniciativa de muitas empresas, além do setor de informática, de realizarem sua produção nesse país, tornando a China a “fábrica do mundo”.

Outras Fontes:



Fonte: Sítio da LIT-CI

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